A CAMINHO DO LIXO

Hoje resolvi fazer uma arrumação nas minhas gavetas,
estantes e armários.
A gente vai juntando tanto cacareco, ao longo dos anos,

que chega uma hora o espaço acaba e a bagunça começa.
Quando isso acontece, e a gente percebe quando não

consegue achar a cópia da chave do carro, quando a original
ficou trancada no porta-malas, é hora da mega limpeza!
Então pegamos os sacos plásticos de lixo

pesado e começamos a catação.
É aquela montoeira de livros, comprados não

sabemos quando nem porque, metade nem lidos.
Aquela penca de mídias de CD-R, sem nenhuma indicação

de conteúdo, em geral são nossos primeiros erros de gravação.
São mídias inúteis, perdidas.
Uma tonelada de CD´s bons, ruins, péssimos,

que fomos juntando ao longo dos anos.
Outros ganhamos e, talvez, nem tenhamos ouvido!
Separamos menos da metade!
Papel e mais papel, xérox, folhetos, catálogos de aparelhos

que nem mais existem, recortes de jornais do tempo
em que ainda acreditávamos que o Brasil tinha jeito,
pastas e mais pastas, envelopes de todas as cores e tamanhos,
cheios de não sei do quê.
E os plásticos vão se estufando de bugigangas e papeis velhos.
Epa, que é isso?
São três pacotes de uma coisa preta, dura, pesados!

São disquetes! Todos pretinhos!
Ligo para um amigo, e levo uma tremenda gozada,

do tipo “...você ainda usa isso...”.
Eu estava gentilmente oferecendo para ele,

pois meu estoque é de trezentos disquetes!
Ainda tentei outro amigo, mais conservador que reclamou

“... minha máquina nem tem lugar para encaixar isso...”.
Parei por aí. Chega de vexame. Comecei a me achar um

velho caquético, portando essas velharias.
Em 1995, aproveitando um sobrinho morando em Miami,

encomendei duas caixas de mil disquetes cada uma.
Eu tinha dois mil disquetes! Lá custavam menos de
trinta centavos de nosso dinheiro, enquanto aqui não saía
por menos de uma unidade desse mesmo dinheiro.
Foi um bom negócio, pois estava usando muitos

disquetes naquela época.
Juntei os três pacotes e joguei no saco de lixo.

Um dos pacotes arrebentou e os disquetes, pretinhos,
escorreram saco abaixo, como se estivessem correndo livres,
libertos, liberados, alforriados.
A imagem que me veio à mente foi a da libertação

da escravatura!
Os negros se tornaram livres, corriam soltos pelos caminhos

das vilas, felizes pela liberdade conquistada.
Mal sabiam no que ia dar essa liberdade.

Sem trabalho, sem comida, sem teto para morar,
sem perspectiva de vida pois nada sabiam fazer,
fora dos campos, das fazendas de café, fora da senzala.
Deu nisso, rejeitados pela sociedade, foram se agrupando em guetos,

que perduram até hoje, numa segregação racial
que todos fingem não ver!
O caminho dos disquetes é isso.

Foram úteis até serem deslocados pelas novas mídias,
mais poderosas, como os negros foram trocados
pelos imigrantes, mais hábeis e mais conhecedores
das técnicas da agricultura.
Correram como se estivessem libertos do seu trabalho,

mas o destino é o lixão da prefeitura, onde serão triturados,
virarão pó, perderão sua identidade de
fiéis guardadores de nossos segredos,
para virarem sacos de lixo, em trabalhos de reciclagem de sobras.
Qualquer semelhança é mera coincidência. Ou vice-versa!

Luiz Santilli Jr.

26 comentários:

Bill Falcão disse...

Quanta tralha, hein, Santilli?
Todos temos que fazer nossas faxinas, de vez em quando, pelos motivos que você tão bem descreveu!

Os negros é que entraram pelo cano: só que a luz no fim do cano era mesmo o lixão!

Mas, o pessoal que nos governa diz que tá tudo bem! Como é mesmo aquele ditado? "O pior cego..."
Grande abraço!

Maria Augusta disse...

Santilli, profundo e abrangente este teu post. Quanto à tua faxina geral, se fosse aqui na França, você poderia vender quase tudo numa brocante, incrível como aqui adoram comprar e vender coisas que consideramos inúteis.
E os disquetes, coitados, indispensáveis há algum tempo, agora ninguém quer mais saber...é o progresso, é a vida.
A analogia com a abolição da escravatura também foi muito bem feita, para os imigrantes foram dadas condições para começar a vida aqui exigidas por seus governos para enviá-los, enquanto os negros, os largaram nas ruas ao "Deus dará" e até hoje eles sofrem as conseqüências disto.
Um grande abraço e parabéns pelo post.

Anônimo disse...

Caro Santilli,
Gostei da frase: “prefiro ser feliz do que ter razão”.
Pois, temos tanta razão em reclamar, esbravejar e exigir os nossos direitos e que o Estado e/ou os prestadores de serviços, ou ainda, os industriais que enchem os mercados com seus produtos, nem sempre dentro das especificações ideais...

Enfim, direitos que me dão razão. E, por não serem cumpridos, me deixam triste, infeliz. E por isso posso ir para o buraco do sepulcro mais cedo, né? E olha que eu sou um cidadão otimista e de boa fé.

Mas, assim como faxinar a mente, você disse bem, é fundamental fazer um limpeza, de tempo em tempo, nessa bagulhada que vamos guardando como se tudo fosse importante.

Também preciso fazer uma dessas no escritório em casa e na biblioteca. A última que fiz faz dez anos e levei o porta-malas cheio de livros e doei na biblioteca. Depois, mais um pouco doei no sebo de um amigo. Nem troquei por outros.

Esticando o papo: como sempre recebi as principais revistas do país como cortesia do distribuidor, acabei ajuntando uma montanha delas. Deu três caçamba da Pampa abarrotadas e o pessoal da biblioteca fez a festa.

Com o seu comentário, eu me toquei. Dia desses andei procurando uns papéis e quem disse que eu os encontrei? Então, vou seguir o conselho e começar a me inspirar para esse trabalho. Porque sem inspiração fica difícil, não é mesmo?
Abs e bom dia

P.S.: dê uma passadinha lá no Jornal da Lua, do amigo Bill que estamos com um artigo de capa...
http://jornaldalua.blogspot.com/

Anônimo disse...

Santilli,

cuidado com as associassões de NEGROS (preto é politicamente incorreto), que pode te processar por LIGAR NEGROS aos seus disquetes pretos... e pior ao LIXO...

Abçs cautelosos!

(;-))

Tiago R Cardoso disse...

Interessante, eu ainda cheguei a usar uma disquetes daquelas enormes, em computadores sem disco regido, tínhamos de andar com elas porque continham o sistema operativo MS-DOS, que tempos...

valter ferraz disse...

Santilli, eu ainda tenho disquetes em casa. Às vezes ainda uso. Tem cura, um caso como o meu?
Abraço grande

quintarantino disse...

Santilli, é como você diz... a disquette, pobre dele, não recebeu carta de alforria, antes sentença de morte.

E nós que andamos a guardar com cuidados mil documentos, programas, imagens em disquettes... cheguei a ter programas como os primeiros Pagemaker's em disquettes... 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11... safa... aquilo nunca mais acabava... depois veio o zip, o cd, que tanto é R com RW, e finalmente a "pen"... e nós fazemos o quê?

Gaveta, armário, caixote, garagem... e um dia, depois de meses ou anos de preguiça, eis que nos dá uma fúria e nós por aí fora ... isto é lixo, isto não, isto pode ser... às duas por três, ante tanta separação, mais uma fúria e vai tudo a eito... lixo, lixo, lixo, lixo, lixo, lixo!!

E um belo dia, quem sabe, eh, pá, onde raio é que tenho guardado aquele papel...

Maria Augusta disse...

Santilli, em relação ao comentário do amigo Eduardo, eu tive uma impressão inversa lendo teu artigo. Achei que é uma crítica ao modo como aconteceu a abolição da escravatura, descartando os libertados de forma desumana, deixando-os com pouca chance de construir uma vida digna.

São disse...

Querido Luiz, agradeço seu convite e me deixe dizer que é um escritor de mão cheia!

"Bejihnos!"

Branca disse...

Gostei da crónica, mas em relação à associação com a libertação dos negros fiquei um pouco confusa.Entendo tal como a Maria Augusta e conhecendo-o já um pouco que o que pretendeu foi mesmo fazer uma crítica austera à forma como foram tratados depois da abolição da escravatura. De qualquer forma não existia outra saída que não fosse a libertação. Todo o Homem merece ser livre, mas claro para se ser livre tem que se ter uma vida digna.
E aí é que a porca torce o rabo (é um ditado português, que quer dizer que as coisas não correm como queremos), mas parece-me que isso também acontece com homens brancos, há muita pessoa livre só em teoria, mas sem as condições de dignidade humana.
Quanto ao lixo da gavetas todos precisamos dessa arrumação de vez em quando, mas Santilli...o amigo exagerou mesmo nas compras!Agora claro há que ir tudo para o lixo.
Beijinho

SILÊNCIO CULPADO disse...

Eu também prefiro ser feliz a ter razão. Apreciei particularmente o comentário que deixaste no Silêncio e vim conhecer-te. Gostei do que vi e voltarei mais vezes. Gosto de "berrar" avontade sem que me formatem o berro.
Um abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Eu também prefiro ser feliz a ter razão. Apreciei particularmente o comentário que deixaste no Silêncio e vim conhecer-te. Gostei do que vi e voltarei mais vezes. Gosto de "berrar" avontade sem que me formatem o berro.
Um abraço

Anônimo disse...

Que faxina heim!

E até dom um conteúdo etnico!!

Anônimo disse...

Paps,

Faxina de vez em quando faz bem, hein!!! :) As coisas novas só podem chegar se tiver espaço para elas!!! Beijos, Paula e Má

Daniel J Santos disse...

Passei para desejar um resto de bom fim de semana.

antonio ganhão disse...

Os segredos são como as memórias terminam trituradas pelo tempo, que arrumando o mundo, lhe confere uma certa harmonia.

quintarantino disse...

Santilli, emérito cronista, quero lançar-te um desafio... escreve um ou mais que um texto para ser publicado no NOTAS SOLTAS, IDEIAS TONTAS na rúbrica NOTAS EMPRESTADAS

A. João Soares disse...

Passei para conhecer este blogue. Achei-o muito interessante e voltarei. E, quanto a disquetes, o meu PC actual não as lê. Tenho que arranjar maneira de salvar o que elas contêm.
Um abraço

Do Miradouro

Anônimo disse...

Santilli,

de uma olhada na postagem do Ery, no seuINFINITO POSITIVO
Além de ser um blog de literatura(também), tem no premio por ele criado a INDIVIDUALIZAÇÃO que vc queria no seu.

Abçs

SILÊNCIO CULPADO disse...

Santilli
Tudo vira lixo na voragem do tempo e da desactualização.E nós procuramos por entre o lixo encontrar a nossa identidade.
Beijinhos

MIMO-TE disse...

Tão interessante este texto, metade racional,metade filosófico!:)

Pois é!!! Para que serve acumular o que não tem uso, enche e não tem qualquer valor sentimental? Lado pratico da questão. Mas vem o lodo filosófico que associa as ideias e surge a escravatura, a liberdade, a falsa liberdade e novamente a escravatura mascarada. Muito interessante Luiz, este texto dava para um belo debate no blog dos amigos portugueses!!!!:))))

Bom fim de semana
Mimos com ternura para todos. :)

Mimo-te

SILÊNCIO CULPADO disse...

Santilli
Excelente post que deixaste no Silêncio Culpado. Queria pedir-te autorização para passá-lo a post pois faz uma análise que ainda não foi feita no debate da educação. Gostaria também de deixar algumas notas sobre o teu curriculum e a indicação do blogue de contacto.
Beijinhos
lnsoares@aeiou.pt

Laerte Pupo disse...

Santilli

Tudo pode ser reciclado.

Mas os disquetes também podem ser usado por quem ainda não tem um driver DVD. E são muitos.

Os disquetes salvos do lixo e que você me presenteou estão sendo bem aproveitados numa escola de periferia aqui na minha cidade.

Abraços

Whispers disse...

Olá Querido!
voltarei amanhã para te comentar
Hoje só beijos te vou deixar.
Rachel vai dormir que amanhã tem escola para dar, meninos pequenos para aturar, e ver os olhos do futuro do amanhã, e muitas vezes pensar, neste olhar tão inocente, amanhã estará um homem, quem sabe um vagabundo nas ruas da vida a odiar
No que me diz respeito, em cada um que em minha aula passa, tento sempre com amor ensinar, pq na vida sempre ouvi dizer, de pequeno se troce o pepino
Beijinhos mil em seu coracao
Rachel

Unknown disse...

Eu também andei fazendo faxina nas gavestas e armários esta semana, também joguei sacos e mais sacos de tranqueiras, coisas que nem sabia que existiam e que nâo me fazem a menor falta, que mania da gente de guardar por achar que ´um dia´ a gente pode precisar? e é só precisar de um envelope que não encontramos!...rs...
Tenho feito limpezas periódicas, fico imaginando quanto já gastei sem necessidade. Descobri que preciso de pouca coisa para viver bem, pena que descobri isso só agora...
Pra variar, sempre um prazer ler vc.
beijo
Ju

Kalinka disse...

Luiz
Também acho:
Qualquer semelhança é mera coincidência. Ou vice-versa!

MAS QUE GRANDE COINCIDÊNCIA...

Te convido para vir comigo ao cinema, está disponível?
Abraços.
Bom fim de semana.