A MORTE DO GRANDE HERÓI

Hoje os Jardins estão de luto.
Alameda Jaú esquina com Convenção de Itu ,
(aquela rampa que sai da 9 de Julho e vai até a Jaú) há uma mansão,
provavelmente dos anos 20 do século XX.
Em seu imenso quintal árvores gigantescas, mais de 20 metros de altura.
A casa foi vendida.
É uma das últimas do quarteirão.
Esta semana os homens chegaram com a moto-serra.
Hoje foi a vez do grande Herói.
Um pinheiro de mais de 20 metros de altura.
Moro no apartamento ao lado; lembro-me há 30 anos
quando aqui chegamos, o Herói mal chegava à altura de minha janela.
Moro no terceiro andar.
Hoje o Herói chegava ao sétimo andar do meu prédio.
Pelo menos pela manhã de hoje.
Era um pinheiro alto e delgado, com forma muito simétrica.
Parecia a ponta de uma lança, voltada para o céu.
Podia ser visto da rua e por quase todos os prédios da região,
tal sua imponência.
Em menos de 15 minutos o homem e sua infernal máquina
foi tosando, um a um seus ramos impregnados
de uma folhagem verde escuro.
Cada rama que caia, ia se entrelaçando às outras,
como que num derradeiro esforça para não cair, não sucumbir.
Pareciam lágrimas verdes caindo como uma cascata;
em meu rosto também rolavam algumas lágrimas.
Eu via naquela destruição, a destruição de um Herói,
que vencendo o tempo e a imensa poluição de nossa cidade,
chegou ao gigantismo de seus mais de 20 metros.
Era um postal colorido no meio da massa cinzenta de concreto ao seu redor.
Mais alto ainda chegaria, pois era totalmente saudável,
não fosse o cruel destino de ter nascido exatamente
onde o homem projetou uma sapata para sustentar mais uma de suas
obras verticais, no espigão da Paulista.
Em menos de meia hora, talvez mais de 50 anos de vida,
jazia em forma de tocos e amontoado de folhagem pelo chão,
berço da semente que o gerou.
Quando o Herói foi ao chão, gritos de euforia e vitória ecoaram pelo terreno:
era a comemoração dos que ajudaram o homem da moto-serra
na execução do condenado.
Amanhã conseguirei ver as entradas do túnel 9 de Julho
pelas janelas de meu apartamento.
Ficará apenas a lembrança daquele grande pinheiro,
que preencheu muitas vezes ao imaginário de meus filhos quando,
juntos à janela de seus quartos, contava-lhes historinhas infantis
em que ele era o nosso grande Herói.

Luiz Santilli Jr.

38 comentários:

Clotilde S. disse...

Apetece-me , de facto, BERRRRAAAARRRR!!!

Mas é no silêncio da mais profunda tristeza que encontro uma lágrima por esse Herói. É tão triste a morte de uma árvore, ainda mais se a vimos pequenino arbusto, quase sementinha, e depois observar como quem cresce com graça, como se torna forte e altiva, aguentando com coragem os dias mais quentes e as piores intempéries.AS árvores morrem, de facto de pé!

Eu, que sou incapaz de matar uma formiga, tenho um respeito profundo pela Natureza e sinto-me impotente perante tanta idiotice humana.
"Les bêtes sont à Dieu, mais les Bêtises sont aux hommes" Victor Hugo

Um abraço,
C.

Anônimo disse...

E quantos heróis não são abatidos por dia! Desde que o mundo é mundo, nascem e morrem, heróis, meu caro Santilli.

Anônimo disse...

Pena que as árvores são consideradas simplesmente como algo que atrapalha, quando deveriam ser protegidas numa cidade que precisa tanto delas como São Paulo. Que tristeza!
Um abraço.

A. João Soares disse...

Caro Santilli,
Os meus pêsames. Aquilo que nos cerca e que nos habituámos a amar, é terno na nossa afeição e, quando desaparece, deixa.nos tristes, com o coração às escuras. É o nosso sentido de posse a funcionar.
São mais felizes os indiferentes que a nada se afeiçoam a sério.
Uma árvore é um ser vivo. Mas as dos meio urbanos, a partir de certa idade tornam-se perigosas por poderem cair e causar danos. Por isso, os serviços públicos aplicam-lhes a eutanásia. E, o que mais nos choca é que esta solução já é plicada às pessoas. Quem sabe se o fim das nossas vidas será abreviado a pretexto de uma simples gripe ou outro pequeno mal, para que os herdeiros recebam mais cedo a herança, para que o Estado deixe de pagar a reforma, para que a saúde tenha menos um velho a apoiar, etc.
O mundo está cada vez mais cruel, para os seres vivos e mesmo para as pessoas.
Mas sei que as palavras não lhe reduzem o desgosto de ter visto morrer indefeso o seu herói, impotente perante os golpes da moto-serra
Um abraço

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SILÊNCIO CULPADO disse...

Santilli
Como eu te compreendo meu amigo. Vivi a minha infância numa quinta paradisíaca, cheia de árvores, junto à Ria Formosa em Faro. Era uma quinta maravilhosa com milhares de árvores que, apesar de serem muitas, eu as conhecia pelos nomes e sabia a qualidade dos frutos de que cada uma.
Podia apanhar o barco de recreio, ancorado junto à propriedade, e era completamente feliz quando andava por ali.
A propriedade não era minha era duns tios meus. Quando os meus tios faleceram os meu primo vendeu a propriedade para que fosse construído nela um aldeamento turístico.
Nunca tive coragem de ir ver esse aldeamento apesar de já ter umas duas décadas. Só de imaginá-lo fico com o coração apertado.
Beijinhos

quintarantino disse...

É indecente vermos que cada negócio de terrenos que se vai fazendo nas cidades ou até nas vilas vem normalmente acompanhado dessa política de deitar abaixo tudo o que é arvoredo.
Moro numa vila que é um projecto de cidade muito mal acabado e nunca deixou de ser aldeia na maior parte das mentalidades.
Gostava de acordar com o chilrear dos pássaros, mas isso cada vez é mais uma recordação ...

Daniel J Santos disse...

Solidariamente triste com a historia, com mais um atentado à natureza, um atentado à historia, sim porque uma arvore com tais dimensões, mais do que um pouco de natureza é um marco de historia.
O homem calmamente continua no seu ataque, continua no seu caminho de destruição, estupidamente não percebe que se está a destruir a si próprio.

Anônimo disse...

É pai, foi triste mesmo! Só a crônica em si já é triste. Mais triste ainda para nós que o vimos crescer e morrer. O fato de estar tão perto nos dava a sensação de que era nosso. E o pior da história é que não temos para quem reclamar. Ninguém.
Beijo,
Má e Paula

Unknown disse...

Luiz,
aqui na nossa rua tem uma figueira centenária, imensa e maravilhosa, fica ao lado de um colegio estadual antigo ("Culto à Ciência" - que nomes lindos haviam antigamente... isso é nome de escola!), pois bem, a figueira imponente parece que está com os dias contados, passaram até uma lista aqui no prédio. Assim como tantas outras àrvores pela cidade.
Conversando com um amigo que trabalha na prefeitura, ele contou que as pessoas não querem árvores nas suas ruas porque dá trabalho, arrebenta a calçada e derruba folha que entra pelas calhas. Pior é que tem gente mesmo que pensa assim!...
Triste vc perder seu Herói...

beijos
Juju

Luci Lacey disse...

Luiz

Compreendo sua dor.

Lamentavel destruirem o Heroi.

Beijinhos e boa semana

Anônimo disse...

Oh Santilli !
Eu que adoro natureza e sempre planto árvores ,avalio bem o momento que até o levou à crônica.Mas , pela minha atividade, já me ví obrigado também a sacrificar algumas.E êsse heroi em particular nos leva a refletir em cima de muitas outros que sucumbem diáriamente na Amazônia, por exemplo, e que ninguem fica sabendo, e onde não há nenhum cronista para pranteá-los. Estou contigo neste momento

São disse...

Berro contra um assassinato sem sentido ( aliás, como todos) e murmuro palavras de apoio junto ao seu ouvido e aos de seus filhos.
Abraço solidário, querido Luiz!

amigona avó e a neta princesa disse...

Protesto Luiz, protesto por esse crime efectuado com palmas e tudo!!! Não havia NADA a fazer? Nehuma postura municipal podia impedir que isso acontecesse? Aqui em Portugal não seria tão simples. A não ser que fosse feito pela calada da noite...um abraço amigo e deixo uma lágrima de tristeza...

Elvira Carvalho disse...

O seu relato deixou-me muito triste. Eu nasci, debaixo de um enorme pinheiro manso há 60 anos. Da janela da minha actual casa, continua a vê-lo altivo embora debilitado por um raio que numa trovoada de Verão, o rachou e queimou pelo meio. Não pude deixar de compará-lo ao pinheiro da sua história e imaginar que alguém acabava com ele. E senti uma grande angústia, como se parte de mim e das minhas lembranças morressem com ele.
Percebi e comunguei da vossa dor e revolta.
Um abraço

Branca disse...

Luiz,
Pena realmente que todas essas nossa lembranças de uma terra verde vão desaparecendo. Esta semana mesmo eu comentava com a minha filha as mudanças que se têm dado aqui no meu sítio em poucos anos e perguntavamo-nos se os filhos dos nossos filhos chegarão a conhecer uma árvore, já que o nosso país é tão pequeno e está a ficar todo asfaltado, cimentado e com construções imobiliárias a mais. Agora anda cá uma mania maluca de construir espaços só de cimento, onde antes eram jardins públicos floridos e com árvores. Vá lá que no Porto ainda resistiram uns 3 jardins tradicionais, mas outros desapareceram.
A continuar assim, daqui a poucos anos este planeta será uma desolação!
Um grande abraço para si.
Branca

Bill Falcão disse...

Sim, Santilli, é preciso chorar muitas e muitas lágrimas verdes!
Abraço solidário!

Anônimo disse...

Quando será que o homem vai compreender que com a morte de uma árvore vai também uma parte da existência da humanidade.
Muito boa a sua crônica.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Santilli
Venho lembrar o nosso Herói símbolo de tantos outros que se vão.

Um abraço

Menina do Rio disse...

Em poucos anos São Paulo terá apenas o (Central Park) do Ibirapuera...O que é uma pena, pois ainda me lembro doa jardins e de quando a Paulista era meramente um cruzamento da Augusta com Consolação.

Bom dia Luiz!
Fiquei honrada pela tua visita e comentário em meu Recanto, mas tive que rir quando tomastes-me por uma jovem rebelde. Não tenho formação acadêmica e em meus 53 anos de vida aprendi que quem sabe faz a hora(peço licença aqui ao Vandré); estou fazendo a minha, e o texto que lestes era apenas uma resposta a certos olhares sobre nós brasileiros.

Deixo um beijo pra ti e agradeço-te pela visita.

Tem um ótimo domingo

Whispers disse...

Ola lindinho!

Vim te desejar uma semana bem feliz, junto com tua linda Familia
Mil e um beijinho
Rachel

Carol disse...

Que história mais triste, meu amigo.

Sinto-me tão revoltada pela morte desse Herói!

Acho chocante, verdadeiramente nojento que tudo se destrua, tudo venha abaixo nessa vontade que há de crescer cada vez mais.

Quanto mais espaço ocupamos, mais míseros e insignificantes nos tornamos!

. disse...

Quantas vzs chorei ao ver essas cenas acontecerem aqui no bairro que moro em Campinas.
Tem gente que n�o gosta de verde...uma vizinha minha,estava disposta a cortar os tr�s ip�s brancos que tem em frente a casa dela,porque as folhas fazem muita sujeira,e ela n�o quer ter o trabalho de varr�-las...nem acreditei no que estava ouvindo.Disse umas poucas e boas pr� ela e at� hoje ela n�o conversa comigo,mas tb n�o retirou as �rvores...menos mal.
J� contei tb no meu blog,sobre a retirada de um flamboyant,do meu vizinho do lado esquerdo...outra pol�mica...pobre humanidade.
Sonia Novaes

Aninha Pontes disse...

Pois é, em nome de um progresso, destrói, o que mais deveria ser preservado, para o próprio bem, por tudo que a vegetação pode nos oferecer.
Mas o progresso não tem sentimentos, e o homem o representa.
Um beijo

Luci Lacey disse...

Luiz

Feliz Pascoa para vc e familia.

Beijinhos

Cláudia disse...

Vou berrar contra o homem da moto-serra, homem mau, homem mau. Adeus, herói, vai com Deus!

C Valente disse...

Sauda�es amigas

Miki disse...

Bela descrição da infância e da vida.
Adorei andar por este teu lugar,agradeço a visita e prometo aparecer mais vezes.
Um beijo

Ramosforest.Environment disse...

O progresso é implacável e as autoridades são coniventes com a destruição das tradições.
Deve sempre existir um meio-termo e bom senso no uso do solo.
Luiz Ramos

Maria Clarinda disse...

Excelente este eu GRITO!!!!!!
um jinho

Ví Leardi disse...

Não sabia que além de exímio mestre Cuca vc também fôsse "ESTE" escritor...Adorei a tua escrita...fácil inteligente e deliciosa ...meus Parabéns...mais uma fã...beijos

Ví Leardi disse...

Ah..sim estou te esperando no
noVí tá

beijos

C Valente disse...

Saudações amigas

Anônimo disse...

Putz! Linda sua vocação de nos ensinar a dar o devido valor à natureza!

Lindo Blog!

Parabéns!

Ju.Cris

C Valente disse...

Boa noite e bom fim de semana. Desculpe só agora contactar, mas tenho tido problemas com o sistema Internet e PC
Saudações amigas, que não esqueço os amigos

Auréola Branca disse...

Não posso berrar, pois apeteço-me de suas recordações com algum silêncio interior.
Adorei visitar-te!

Anônimo disse...

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Carol disse...

Passei só para ver se havia novidades.
Boa semana, amigão!

Larissa Hardt disse...

Depois de um longo e tenebroso inverno, eis-me de volta à blogsfera! Saudades dos seus textos, Luiz!
Abs,
Larissa Hardt